quinta-feira, 11 de abril de 2024

É urgente restaurar freguesias!

A reforma territorial das freguesias que ocorreu em 2013 foi muito mal feita.

Diz-se que  foi concretizada   por imposição da troika. Isso é verdade e é mentira. É verdade porque o “Memorandum de Entendimento” de 2011 preparado pelo PS e assinado pelo PSD para resolver a crise financeira grave que o nosso país  atravessava  estabelecia que o número de freguesias (4259) e municípios (308) deveria ser “substancialmente reduzido”.  É mentira porque como dizia Armando Vieira, então  presidente na Anafre, quando os “homens” da troika tomaram conhecimento do que eram as nossas freguesias e do ínfimo impacto que tinham nas nossas contas públicas deixaram de considerar relevante essa redução do seu número.

Aliás, importa lembrar que essa mesma troika deixou cair a redução do número de municípios que o memorandum impunha. A reforma fez-se por vontade do Governo de então e não por imposição. Acresce que os Açores e a Madeira opuseram-se e  não se tocaram nas suas freguesias, sem que tivessem sofrido qualquer represália.

E disto isto, sempre dissemos -  e mantemos ainda hoje -  que uma reforma deveria ser feita, pois as nossas freguesias, ao contrário dos municípios, não tinham sido objecto de reforma desde a sua entrada na organização administrativa portuguesa na primeira metade do século XIX. Havia razões para fazer uma reforma das freguesias porque centenas delas eram tão pequenas que não se justificava a sua existência e, já agora, havia outras tão grandes que bem poderiam ser divididas.

O que falhou em 2013 foi o critério adoptado. Este consistiu fundamentalmente em cortar o número de freguesias sem racionalidade. Para ver essa irracionalidade basta dizer, a título de exemplo,  que há hoje,  aqui bem perto, uma freguesia constituída por duas cidades e uma freguesia constituída por duas vilas; por outro lado, a sul do Tejo há uma freguesia que ficou maior do que a Ilha da Madeira. Tudo isto sem esquecer a criação de muitas mega-freguesias e da extinção de freguesias que tinham todas as condições para continuarem com a agravante de verem, ao lado, freguesias mais pequenas mantidas sem alteração.

O critério podia ser outro? Podia e devia. Bastava nortear-se pelo princípio de que as freguesias são, como sempre foram, entes de proximidade que não devem ser demasiado grandes, nem demasiado pequenas. Demasiado grandes, perdem a proximidade entre eleitores e eleitos; demasiado pequenas não têm condições para exercer devidamente as suas funções. Se se aplicasse este critério desapareceriam centenas de freguesias e criar-se-iam algumas muito poucas. O saldo final não seria muito diferente do actual e teríamos um mapa de freguesias bem equilibrado.

Há agora a possibilidade, através da Lei n.º 39/2021, de 24 de Junho,  de reparar muitos dos erros de 2013 se houver vontade política e legislativa  de os reparar, o que não é seguro. Se as freguesias indevidamente extintas assim quiserem - e o bom senso imperar - ainda é possível chegar às eleições autárquicas de setembro/outubro de 2025 com muitos erros corrigidos.

Mas o tempo é curto. A restauração das freguesias tem de ser feita, por força da lei,  até março/abril de 2025, (seis meses antes da data de eleições), faltando, assim,  menos de um ano. Acresce, além deste prazo já curto, haver o risco (ainda que não desejado, pois o nosso país não lucra com eleições sucessivas)  de a actual Assembleia da República ser dissolvida o que irá atrasar, talvez sem reparação,  o processo de restauração.

Importa, pois, que sem demora se avancem com os procedimentos de restauração de fregueias ( a lei chama-lhes erradamente “criação”): quer pela via especial dita simplificada (artigo 25.º)  e quanto a estes,  que já estão na Assembleia da República (AR),  pouco se tem falado; quer pela via normal e estes devem entrar na AR quanto antes (no limite até princípios de Setembro deste ano).

Não há tempo a perder!

(DM- 11.4.24 - com pequenas alterações)

quinta-feira, 28 de março de 2024

Nem sempre o voto é democrático

             O título deste texto – Nem Sempre o voto é democrático -  precisa de uma clarificação, pois estamos  habituados a dizer que o voto é a maior afirmação da democracia. O que de seguida queremos comprovar é que o voto é uma afirmação da democracia… se realmente  for.

Julgamos ser fácil explicar o título, se partirmos de um conceito adequado de democracia como o que resulta da nossa Constituição e de textos fundamentais  nesta matéria tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2016.

A democracia é um regime político baseado na dignidade da pessoa, na vontade popular e na construção de uma sociedade livre, justa e solidária como estabelece o artigo 1.º da nossa Constituição e resulta também dos textos internacionais acima referidos. Estes elementos não podem ser dissociados. O fundamento da democracia é a aceitação de que cada pessoa tem uma eminente dignidade que não pode ser posta em causa. Essa dignidade exige a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A vontade popular é o meio utilizado para a construção dessa sociedade, uma vez que não há uma única via para o efeito e os cidadãos dividem-se sobre qual é a melhor.

A vontade popular exprime-se essencialmente no voto devidamente informado,  que resulta de eleições livres ( e também do referendo) , mas aqui é preciso ter em conta que o voto nem sempre é expressão de vontade democrática e pode ser utilizado até  para destruir a democracia. Basta que se vote em listas que porventura não sejam garantia da defesa do regime democrático.

Todos conhecemos exemplos históricos  de utilização do voto para chegar ao poder e depois estabelecer ditaduras à esquerda ou à direita. Neste contexto, é da maior importância conhecer  bem  os partidos que disputam eleições para apreciar o seu respeito pela democracia. Não é uma tarefa fácil, pois raramente os partidos se apresentam como não democratas. Em regra, disfarçam essa sua característica e afirmam, com maior ou menor veemência, o seu apego à democracia.

O teste da democracia de um partido é fácil de fazer quando ele, sem perder a sua identidade, já esteve no poder e deixou de estar por virtude de outra eleição ou pela perda de uma moção de confiança ou por uma moção de censura. Também merece confiança o partido que, não tendo estado no poder, se apresenta a eleições com um programa que não deixa margem para dúvidas quanto à sua democraticidade, reforçada ainda por ter uma prática política indiscutivelmente democrática.

O problema começa a surgir quando um partido se apresenta como o melhor de todos, como o único que merece o voto dos cidadãos. Quando tal sucede, quando um partido não reconhece outros como iguais há boas razões para desconfiar. É que, uma vez obtido o poder por um partido realmente não democrático, o disfarce cai e com ele a democracia.  O voto nesses partidos é um voto contra a democracia, não é um voto democrático.

Mas também deve dizer-se que a democracia corre sérios riscos e pode cair se os partidos democráticos não forem exemplo de democracia. E não o são se se degradarem e acolherem, dentro deles,  vícios como a corrupção, por exemplo, pois esta nunca será caminho para uma sociedade, livre, justa e solidária.

(DM – 28.3.24)

quinta-feira, 14 de março de 2024

Votos de bom Governo

     Escrevo estas linhas em dia de reflexão,  não se sabendo ainda o resultado das eleições que se realizarão amanhã (10 de março de 2024).

Este é um dia tranquilo e não me canso de referir a sua importância não só para preparar devidamente o acto eleitoral, mas também para os cidadãos, que disso precisarem, refectirem sobre a sua opção eleitoral. Imagine-se, o dia anterior às eleições, com intensa campanha em movimento, com sondagens de última hora (até à meia-noite do dia anterior?) e a influência nociva que isso teria sobre a necessária calma que o acto eleitoral exige.

Quando os leitores tiverem acesso a este texto, que será enviado hoje (9) ou amanhã (10) de manhã, para o Diário do Minho, já saberão quem ganhou as eleições e terão assistido à alegria de uns e à tristeza de outros. Do que pretendo tratar aqui, no entanto, não é do resultado das eleições, mas do Governo que o nosso país precisa.

Seja qual for o resultado das eleições, o que todos desejamos é um bom Governo que cumpra no essencial o que determina o artigo 1.º da nossa Constituição, que deve ser lido com toda a atenção e que estabelece que “Portugal  é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Tenha-se presente, pois,  que do Governo  resultante das eleições esperamos que tenha como preocupação essencial respeitar, com tudo o que isso implica, a dignidade da pessoa humana e que tenha como horizonte construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Espera-o um trabalho muito exigente, não cabendo aqui referir todas as suas vertentes, antes apenas algumas que a todos preocupam. Escolhemos a justiça, a saúde, a educação, o ambiente, a habitação e a realização de investimentos.

No âmbito da justiça, o que importa é que não se continue a violar, como se viola diariamente, o direito fundamental dos cidadãos a uma decisão justa em prazo razoável. No âmbito da saúde, interessa  que o serviço nacional de saúde,  que tão importante é,  seja bem gerido e nunca a saúde seja vista como um mero negócio. No domínio da educação, a qualificação dos professores é fundamental, bem como  o exercício da autoridade na escola. No domínio do ambiente, importa ter sempre presente a relevância que ele tem para a nossa qualidade de vida e para as gerações futuras. Quanto à habitação, deve ser combatida a existência de prédios abandonados, devolutos ou, pior ainda, em ruína. 

Tudo isto precisa de serviços públicos nacionais, por exemplo,  de justiça, de saúde e de educação a funcionar bem, sem greves contínuas e longas, por vezes descaradamente disfarçadas. A remuneração dos funcionários públicos, por sua vez,  deve ser a  adequada, dentro das nossas possibilidades orçamentais.

Uma palavra ainda para investimentos, referindo apenas um. Podemos adiar ainda mais a construção de uma “auto-estrada”  ferroviária entre Porto e Lisboa? Temos consciência de que a linha actual é do século XIX? É como se tivéssemos ainda hoje de ir de automóvel pela velha Estrada Nacional, ainda que remodelada, para fazer o percurso Porto - Lisboa.  

Fazemos votos de bom desempenho para o governo que resultar destas eleições , seja ele qual for.

               PS – Este post-scriptum tem a data de 12 de março e é introduzido para dizer que as eleições costumam trazer surpresas e estas assim o confirmam. De qualquer modo,  a AD ganhou as eleições, não sendo provável que os resultados do estrangeiro tragam uma mudança, e assim a AD  tem o direito de governar, esperando-se que faça um bom governo.

(DM - 14 de março de 2024)

quarta-feira, 6 de março de 2024

Elogio das mesas de voto e do dia de reflexão

É preciso dizer e repetir que um dos grandes êxitos do regime democrático em que vivemos é o facto de o resultado das eleições que realizamos periodicamente não ser objecto de discussão. O que se discute é o significado desse resultado. Uns consideram-no muito bom (vitória, nos casos mais claros) outros, menos bom, mas sempre aceitando os resultados anunciados e publicados.

Nunca essa lisura do acto eleitoral aconteceu na história do nosso país desde que as eleições se começaram a fazer em mesas eleitorais espalhadas pelo país, há pouco mais de 200 anos. A regra era a de quem perdia logo proclamava que houve fraude, que os resultados foram viciados e bem sabemos que tal sucedia, desde logo na elaboração dos cadernos eleitorais e depois, nas mesas de voto.

Em Portugal, desde 1975, as eleições são principalmente da responsabilidade de uma entidade independente - a Comissão Nacional de Eleições (CNE) - e as mesas de voto são organizadas de modo a que delas façam parte pessoas idóneas e o acto eleitoral seja devidamente fiscalizado por representantes dos partidos concorrentes. Certamente nem tudo é perfeito, existem problemas, mas há confiança nos resultados anunciados pelas mesas e depois publicados nos lugares próprios.

Isso deve ser motivo de orgulho para todos nós. Merecem inegável elogio os membros das mesas de voto, que estão ali um dia inteiro, a troco de uma pequena compensação financeira (senha). Manter este nível não é fácil e, no dia em que não confiarmos nas mesas de voto, a honestidade cívica desaparece e com ela a democracia.

A boa preparação do acto eleitoral deve também muito ao dia de reflexão previsto na lei. A acalmia do dia anterior, em que a campanha eleitoral já terminou, permite preparar as mesas de voto e o dia de eleições com a serenidade necessária.

Acresce que os candidatos, por sua vez, têm um dia de descanso para no dia seguinte poderem falar mais ponderadamente. E a que título se menospreza o direito dos cidadãos de pensarem sobre a decisão de voto num ambiente calmo que esse dia proporciona?

E, a este propósito, não se esqueça de votar. O boletim de voto permite todas as suas preferências, mesmo quando nenhuma das listas lhe agradar. Para isso, há o voto branco ou o voto nulo. O voto nulo permite até, se assim se entender, riscar todo o boletim ou escrever nele o que se pensa.

O dia de voto é um dia de festa democrática em que as pessoas se encontram e o voto presencial tem uma transparência que nenhum outro modo de votar possui.

(Publicado no JN de 6 de março de 2024)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A democracia não é um regime político natural

 A democracia não é um regime político natural. O natural nas sociedades humanas, mesmo quando integradas em Estados, é a dominação de uma parte do povo por outra. Normalmente, é uma minoria a tomar o poder e a submeter a maioria ao seu jugo.

A democracia tal como a entendemos hoje, baseada na igualdade de todos os cidadãos perante a lei, no respeito pelos direitos fundamentais de cada um deles e, depois, na vontade da maioria,  é uma conquista civilizacional relativamente recente.

Para chegar até aqui foi preciso passar por muitas fases, constituindo a mais próxima no tempo e no espaço europeus a superação da divisão da sociedade em classes ( nobreza, clero e povo), cabendo às duas primeiras, largamente minoritárias, o poder de mandar, tendo na cúpula um monarca  que se foi tornando cada vez mais poderoso, ao ponto de estabelecer um regime absoluto.

               A Revolução francesa trouxe uma modificação profunda com a abolição dos privilégios da nobreza e do clero, a introdução do voto por cabeça e não por classes, o acolhimento da separação dos poderes e a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas foi preciso ainda percorrer muito caminho para estender o sufrágio a todos os homens (e não apenas aqueles possuidores de mais meios de fortuna) e às mulheres, tendo hoje direito de voto todos os cidadãos que chegam a maioridade.

A democracia está em constante aperfeiçoamento, pois não se basta com eleições livres e periódicas, precisando de concretizar os direitos fundamentais da pessoa para alcançar uma vida digna o que implica não só a liberdade de pensamento e opinião, mas também nomeadamente  o acesso à educação, à saúde, à justiça e à habitação condigna.

Isso implica uma cada vez maior igualdade entre os cidadãos, pois concentrando-se a riqueza nas mãos de alguns, outros ficam pobres e sem acesso aos direitos fundamentais. O combate às desigualdades é uma exigência permanente da democracia.

A democracia pode adoecer e morrer pela não concretização dos direitos fundamentais das pessoas e pela descrença no valor da dignidade da pessoa. Pode morrer também pela difusão da ideia de que o poder pertence a quem dele se apodera e não ao povo, constituído pelos  cidadãos e cidadãs.

A democracia só se mantem com democratas. O democrata é aquele que respeita o outro na sua liberdade e o considera um seu igual. O grande problema dos nossos dias é que alguns se julgam superiores aos outros e os querem dominar, impondo as suas ideias, à força, se necessário. Para estes, as eleições livres são apenas um instrumento, para uma vez alcançado o poder, acabar com elas ou  fazer um arremedo de eleições  e destruir os pilares da democracia.

Há muito caminho a andar para educar para a democracia e esse caminho deve começar na família, na escola e continuar na vida adulta.

Que bela escola são, por outro lado, os documentos que constituem o ensino actual da Igreja neste domínio!

(Publicado no DM de 15.2.24)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Em Nome da Democracia: Regionalização fora da Constituição


“É mesmo difícil conceber regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do Continente.”  (Marcelo Rebelo de Sousa – Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lisboa, 1999, p. 401)

Em tempo de eleições importa revisitar a questão da criação de regiões administrativas. Como sabemos em Portugal há, com bons argumentos, adeptos e adversários da regionalização e o cumprimento exemplar das regras democráticas próprias de um Estado de Direito obrigaria a que uns e outros lutassem pelas suas posições em condições de igualdade.

Assim, os adversários não teriam neste momento nada a fazer de essencial, pois a regionalização do continente não existe. Os adeptos esses, pelo contrário, teriam de lutar se quisessem regionalizar e, assim, teriam de apresentar oportunamente para aprovação na Assembleia da República uma lei de criação de regiões no continente acompanhada de um mapa devidamente elaborado.

Uma vez aprovada essa lei, os seus adversários deveriam ter a possibilidade de a combater e exigir um referendo para que os cidadãos se pronunciassem. Se a opinião dos cidadãos fosse favorável, a lei avançaria e seria executada. Não importaria para o efeito a percentagem de participação no referendo. O que importaria seria o número de votos a favor e contra, só avançando se o número de votos a favor fosse superior aos votos contra. Foi assim que aconteceu nos referendos que tivemos sobre o aborto e não se vê razões para que o referendo sobre a regionalização mereça um tratamento mais exigente.

Procedendo assim, as regras da democracia seriam cumpridas e mais ainda uma lei posterior poderia modificar ou extinguir as regiões. Ora estas regras claras da democracia não vigoram actualmente em Portugal. No nosso país a Constituição introduziu um regime incongruente, agravado em 1997, que por um lado obriga a regionalizar e, por outro lado, coloca sérias dificuldades à concretização da instituição de regiões.

Obriga a regionalizar, pois o artigo 236.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) determina desde sempre que, no continente, “as autarquias locais  são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas”. O problema não se coloca nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, onde existem desde 1976 regiões autónomas.

Por via desta obrigação contida no n.º 1, a Constituição só será cumprida quando houver regiões administrativas. No entanto, a mesma, para além da natural aprovação na Assembleia da República de uma lei de criação de regiões administrativas oferece aos adversários da mesma um referendo obrigatório, dando-lhes, desse modo, a possibilidade de travar a lei sem necessidade  de terem de trabalhar para o convocar como seria razoável. Mas a Constituição vai mais longe e não se contenta com um resultado favorável à regionalização obtido nesse referendo. Ela coloca um conjunto de requisitos que só tem uma finalidade: dificultar a criação de regiões e os artigos 255.º e 256.º da  CRP bem o evidenciam. Eles exigem não só uma lei de criação simultânea das regiões administrativas definindo os “respectivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos” (artigo 255.º), mas também um referendo com duas perguntas, uma de alcance nacional e outra regional e ainda, segundo a letra da lei sobre referendos de âmbito nacional ( artigo 251.º,  n.º 2,  da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril),  a participação de 50% dos eleitores, o que nunca aconteceu num referendo nacional no nosso país.

Bem pode dizer-se que a Constituição prejudica fortemente os adeptos da regionalização e favorece os adversários. A Constituição não é neutra nesta matéria e tem a obrigação de ser em nome da democracia. Basta que não obrigue, nem proíba a criação de regiões!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Assembleias Municipais: o seu papel e as senhas de presença

As assembleias municipais são o órgão máximo do município. Dito isto, muito dos leitores não acreditam e com boas razões, dizendo que órgão máximo do município é o presidente da câmara e que  só não vê isso, quem não quer.

Respondo, dizendo que têm razão, que na prática o órgão máximo do município é o presidente da câmara, mas acrescento que assim é porque a assembleia tal permite. O presidente da câmara e com ele a câmara nada de importante poderão fazer e mandar se a assembleia não aprovar o orçamento, se não autorizar a realização de empréstimos vultuosos, contratos de certo montante , vendas de património e tantas outras coisas  que, no geral, são  as mais importantes do município.

E isto é assim porque num Estado de Direito o presidente da câmara, que é  o chefe do poder executivo, não faz, nem pode fazer,  o que bem entende, tendo de obter o apoio do parlamento local que é a assembleia municipal.

Bem me podem dizer que isso é apenas uma formalidade tal como quem vai ao notário para obter um título necessário para  formalizar um contrato de compra e venda que já está feito e que o notário apenas regista,  entregando  o documento respectivo,  não podendo alterar o conteúdo do contrato,  desde que não viole a lei.

É verdade que a assembleia municipal se comporta por vezes e em muitos municípios quase como um notário, fazendo a vontade do presidente, mas não tem de agir assim, não tem de ser um mero notário.

Uma assembleia que se dê ao respeito analisa cuidadosamente , por exemplo, uma proposta apresentada pela câmara de contrato de empréstimo ou de aquisição de um prédio,   vê se está bem feita e se é a que  melhor serve  o município e assim sendo, aprova-a; mas também a pode rejeitar por considerar, por exemplo, que a proposta não é oportuna ou não é a mais conveniente para o município.  Este poder ninguém o pode tirar à assembleia.

Repare-se que não estou aqui a dizer que a assembleia deve estar contra a câmara e rejeitar sempre as propostas que esta apresente. De nenhum modo. O que estou a dizer é  que o poder está repartido entre a câmara e a assembleia e que os dois órgãos devem respeitar-se mutuamente. Mais acrescento  que, para o bom governo do município,  os dois órgãos devem estar,  em regra,  de acordo. Em regra, mas não necessariamente sempre.

Uma assembleia que se preze constituída por membros qualificados com opiniões diferentes, resultantes dos grupos municipais que a compõem,  pode e deve ajudar a câmara a governar melhor, elaborando boas propostas e  estando atenta às críticas que, porventura, lhe sejam feitas. Uma assembleia municipal bem constituída é elemento importante para o bom governo do município.

É neste contexto que deve ser vista a recente alteração à lei do estatuto dos eleitos locais que veio alargar o direito dos membros da assembleia a senhas de presença. Os membros da assembleia municipal não exercem como sabemos as suas funções a tempo inteiro ou meio tempo. Não recebem um vencimento mensal. Recebem apenas senhas de presença que variam entre 60 e 80 euros por cada sessão da assembleia em que participem.

Estas senhas de presença são merecidas porque os membros da assembleia (deputados) devem estudar os assuntos que vão ser debatidos nas reuniões, devem estar atentos aos debates das propostas e votar no momento próprio. Isso implica tempo tirado a outras actividades e a senha  é uma compensação por esse esforço e podemos dizer mesmo que tem um montante modesto.

Até agora essa senha só  era devida, num certo entendimento, errado a meu ver, mas entendimento dominante com base numa interpretação  restritiva da lei vigente,  por cada sessão ordinária ou extraordinária da assembleia por muito extensa que ela fosse e mesmo que houvesse necessidade de a desdobrar em várias reuniões e o mesmo se diga da participação dos membros nas reuniões das comissões existentes na organização da assembleia.

Porém a partir deste ano e por um enxerto feito no Orçamento do Estado para 2024 o artigo 10.º, nº 1,  da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais) passou a ter a seguinte redacção que alarga o direito a senhas de presença:

 

 “Os eleitos locais que não se encontrem em regime de permanência ou de meio tempo têm direito a uma senha de presença por cada reunião das sessões ordinárias ou extraordinárias do respetivo órgão e das comissões a que compareçam e participem”.

        É uma alteração  de aplaudir e que se aplica também com as devidas adaptações ao parlamento das freguesias.

(Publicado no DM em 1.2.24)